Em meu corpo cansado
Vive uma vida emprestada.
Não sei quem ma destinou
Mas sei que a estou a trajar.
No desfiladeiro dos
afetos,
Entre amores e
desamores,
Nela continuo a habitar.
Deixei meu suor marcado,
Esgotado, gota a gota,
Em carreiros
desbravados,
Em caminhos que rasguei,
Na minha pele, leve e
macia,
Onde a idade se
instalou,
Soltando um traço de magia.
No bosque procurei terra
Onde me pudesse sentar.
Despida, entre as
árvores,
Com minhas mãos vazias,
Estremeci e chorei de
frio,
Como o faz qualquer
cria,
Quando ao vento, sem
ninho.
Minhas mãos, geladas,
Torceram a rama vazia,
Com que outros fizeram
Uma cama e se deitaram.
Estava eu nas folhas
despidas,
Atiradas pela
tempestade.
Elas riam, eu chorava.
Veio, até mim, apiedada,
Uma árvore já caída,
Para nela me deitar.
Obedeci, por cansaço,
E, por respeito àquela
árvore,
Adormeci em seus ramos.
Enterrei meus olhos,
relaxados,
Naquele bosque altivo,
Sem folhas, despido.
Descansei e sonhei
Em louros campos de
trigo.
Meu sonho inquieto
Levou-me a vários
cercos.
Todos estavam despertos.
As dores se apresentaram
Quando ainda contemplava
O Norte que me embalava.
Sem ter a quem contar,
Estava sozinha, ao
acordar.
Vieram, nos meus
ouvidos,
Pequenos ruídos pousar.
Meu sonho dali me levou
Para eu poder descansar.
Minha infância vivida,
Triste negrume enlutado,
Desfeita em lágrimas
loucas
Que, pelo meu peito,
rolaram
E que, no meu leito,
secaram,
No dia do meu despertar.
O corpo ao mundo
atirado,
Sem conselhos e sem
palavras,
Sem afetos e sem beijos.
Eu era, apenas, uma
menina
Constrangida, sem mimos,
Necessitada de ternuras.
Mas, ainda mais pequena,
Eu já morava na berma
E ninguém, de mim, tinha
pena.
Desde cedo me comprometi
Que, o mundo, teria que
enfrentar.
Mas, até encontrar o meu
lugar,
Tantas foram as noites
Em que nem pude sonhar.
E os episódios,
inconvenientes,
Que, apesar de incitarem
agruras,
Deles não conservo
rancores.
Até que, a juventude, me
acenou.
Vi-a e nela entrei,
muda,
Porque via, o mundo, tão
feio,
Interesseiro e absurdo.
Ele, só via o meu corpo,
inteiro,
Eu, sabia da minha
sementeira.
Ainda assim, deixei cair
o meu escudo,
Dentro da minha voz
muda.
E acabei por capitular,
E, assim, ao mundo, fui
apresentada.
Ele me carregou de
cansaços,
Trazendo, com eles,
desgraças.
Até que apareceu alguém
Que escutou a minha
prece.
E nela entrou, sem
entrar.
Havia já tantos
estragos!
Até que me vi, desarmada,
Mas, pelo amor, tomada.
Nos seus braços me
aninhei
E todo o meu amor lhe
dei.
Até que por vencido se
deu.
E hoje, de mãos dadas,
Ainda passeamos e
desfrutamos,
Dos sons dos bosques
desfolhados,
Desatentos ao meu
passado,
Atentos a sentimentos
presentes.
Ainda que não sendo idosos,
Mas, menos jovens,
talvez,
Fomos, pelo tempo,
ensinados.
É por isso, que, hoje, sinto
Toda a alegria do mundo,
Quando toco a outra
metade da vida,
Porque não a encontro
vazia
Autora: Joaquina Vieira
15/08/2012