A CONDESSA SEM CHETA

A CONDESSA SEM CHETA
MY BOOK

Wednesday, 15 August 2012

O DESFILADEIRO DOS AFETOS



Em meu corpo cansado
Vive uma vida emprestada.
Não sei quem ma destinou
Mas sei que a estou a trajar.
No desfiladeiro dos afetos,
Entre amores e desamores,
Nela continuo a habitar.
Deixei meu suor marcado,
Esgotado, gota a gota,
Em carreiros desbravados,
Em caminhos que rasguei,
Na minha pele, leve e macia,
Onde a idade se instalou,
Soltando um traço de magia.
No bosque procurei terra
Onde me pudesse sentar.
Despida, entre as árvores,
Com minhas mãos vazias,
Estremeci e chorei de frio,
Como o faz qualquer cria,
Quando ao vento, sem ninho.
Minhas mãos, geladas,
Torceram a rama vazia,
Com que outros fizeram
Uma cama e se deitaram.
Estava eu nas folhas despidas,
Atiradas pela tempestade.
Elas riam, eu chorava.
Veio, até mim, apiedada,
Uma árvore já caída,
Para nela me deitar.
Obedeci, por cansaço,
E, por respeito àquela árvore,
Adormeci em seus ramos.
Enterrei meus olhos, relaxados,
Naquele bosque altivo,
Sem folhas, despido.
Descansei e sonhei
Em louros campos de trigo.
Meu sonho inquieto
Levou-me a vários cercos.
Todos estavam despertos.
As dores se apresentaram
Quando ainda contemplava
O Norte que me embalava.
Sem ter a quem contar,
Estava sozinha, ao acordar.
Vieram, nos meus ouvidos,
Pequenos ruídos pousar.
Meu sonho dali me levou
Para eu poder descansar.
Minha infância vivida,
Triste negrume enlutado,
Desfeita em lágrimas loucas
Que, pelo meu peito, rolaram
E que, no meu leito, secaram,
No dia do meu despertar.
O corpo ao mundo atirado,
Sem conselhos e sem palavras,
Sem afetos e sem beijos.
Eu era, apenas, uma menina
Constrangida, sem mimos,
Necessitada de ternuras.
Mas, ainda mais pequena,
Eu já morava na berma
E ninguém, de mim, tinha pena.
Desde cedo me comprometi
Que, o mundo, teria que enfrentar.
Mas, até encontrar o meu lugar,
Tantas foram as noites
Em que nem pude sonhar.
E os episódios, inconvenientes,
Que, apesar de incitarem agruras,
Deles não conservo rancores.
Até que, a juventude, me acenou.
Vi-a e nela entrei, muda,
Porque via, o mundo, tão feio,
Interesseiro e absurdo.
Ele, só via o meu corpo, inteiro,
Eu, sabia da minha sementeira.
Ainda assim, deixei cair o meu escudo,
Dentro da minha voz muda.
E acabei por capitular,
E, assim, ao mundo, fui apresentada.
Ele me carregou de cansaços,
Trazendo, com eles, desgraças.
Até que apareceu alguém
Que escutou a minha prece.
E nela entrou, sem entrar.
Havia já tantos estragos!
Até que me vi, desarmada,
Mas, pelo amor, tomada.
Nos seus braços me aninhei
E todo o meu amor lhe dei.
Até que por vencido se deu.
E hoje, de mãos dadas,
Ainda passeamos e desfrutamos,
Dos sons dos bosques desfolhados,
Desatentos ao meu passado,
Atentos a sentimentos presentes.
Ainda que não sendo idosos,
Mas, menos jovens, talvez,
Fomos, pelo tempo, ensinados.
É por isso, que, hoje, sinto
Toda a alegria do mundo,
Quando toco a outra metade da vida,
Porque não a encontro vazia


Autora: Joaquina Vieira
15/08/2012