N
Na boca trazes as palavras
Nos ombros suportas a carga,
Na alma escondes o sofrimento
Da menina que nos teus sonhos,
Como petiza, sonhavas.
Em criança eras a esperança
Que brincava, sorria e cantava.
Mas o tempo teu corpo mudou
Tal como à tua volta tudo alterou.
E tudo em que crias,
Tudo, tudo se esfumou.
O trabalho te delimitou,
Os sonhos se desmoronaram
E teu corpo também mudou.
E agora porque te sentes mulher,
Só desejas, porque julgas ser teu,
Tudo aquilo que te roubaram.
Plantaste um jardim florido,
Nos teus sonhos de menina,
E que foste sempre regando.
Até que, de repente, acordaste
E te viste amordaçada
Dentro do teu próprio lar.
Sentias-te como te talhassem para seres,
Apenas um pouco mais do que escrava,
Em reino que não era teu.
Os sonhos se desvaneceram
E tudo secou, dentro de ti.
A fome não se aproximava
Mas a carência que te limitava,
Que te fatigava e afastava
Da alegria da infância
E dos sonhos da adolescência,
Martelava a tua mente.
Para algum lugar deixaras partir
A tua jovialidade contagiante.
Teu corpo, pelo tempo mudado,
Pelos maus tratos castigado,
E em lamentos naufragado,
Obrigaram a menina sofrida,
Um ser mergulhado na dor
E que nascera para dar amor,
A ser uma mulher, decidida.
Que o Sol arrefeça a carne
De quem ousou castigar-te.
Que o mundo desapareça
Para quem te trouxe aflição.
Tu, mulher, que toda te dás,
Que abres teu corpo ao nascimento
E que és a fonte de novos seres,
Seres que de ti são sementes.
Tu, mulher que na alma sentes,
E que calas e que consentes
Que qualquer vilão te encante.
Tu que, como tonta, nele acreditas
E embarcas nas suas patranhas
Entregando o corpo e alma
Até te arrancar as entranhas,
Desperta para a tua real missão.
Só tu és capaz de procriar
Uma renascida geração.
Ainda que a passagem do tempo
Já tenha ousado beliscar
O teu rosto e tuas mãos,
Mãos que, agora, sem ação
Já afagaram a criação,
Olha-te ao espelho e espreita
Bem no fundo da tua alma.
Será quando, surpreendida,
Reconhecerás aquela menina
Que do mundo se escondera.
Virá ainda um tempo
Que te trará a bonança
E em que Deus te ajudará
A apagar as tuas más memórias.
Esquecerás o sofrimento
E chegará, um dia, o dia
Em que te levará pela mão,
Abrindo um novo portão.
Disfrutarás, por fim,
De uma outra Primavera
Que para ti despontará.
Verás na tua frente as pétalas
Das flores que não colheste.
O mel que recolheste
Mas não bebeste.
Então tua alma renascerá
Sem nunca perderes o lugar,
Aquele que para ti,
Só para ti, Deus criou.
POR JOAQUINA VIEIRA
07/11/2011