A CONDESSA SEM CHETA

A CONDESSA SEM CHETA
MY BOOK

Saturday 13 August 2011

A ESPERA



Aqui me vejo eu.
E porquê eu,
Neste lugar inóspito, despido?
Morno, vazio, de dor sofrido,
Pleno de corredores sem saída.
Labirintos da vida…
Pessoas esvaziadas de emoção,
Outras, inteiras de dedicação.
Aqui permaneço eu.
E porquê eu,
Entre o cristão e o ateu,
Sem saber o que pensar,
Numa espera de desesperar.
Daqui não saio. Não! Sei esperar.
Espero quem, a mim, venha dizer
Que é com imenso prazer
Que me vem anunciar que,
Apesar do susto porque passei,
Nada de mal se confirmou,
Que nada tenho a recear.
Virá depois, sorrindo, contente,
Quem, de mim, está ausente.
E, com um sorriso de embaraço,
Dizer: afinal, o que faço aqui?
Mas eu já estava aquietada.
Meu anjo me havia informado,
Aquele que está sempre a meu lado,
Que poderia estar descansada
E que apreciaria, de novo, a alvorada.
Como ele, estou sempre acompanhada.
E já com esperança renovada
Observo o tempo a passar.
Por ele aqui estou,
Nesta sala de esperar.


Por: Joaquina Vieira

POEMA DA AMARGURA

É a apatia que, em mim, dança
Que me abala a confiança.
Que, minha pele, vai arrancando
E que, da fé, me vai amputando.
É ferida que me vai abrindo,
A dor que me vai vestindo,
A minha alma que vai despindo.
Até que, como se fora um tenor,
Clamo que basta, já, de dor.
Mas mora em mim, um lamento,
Um infeliz descontentamento,
Que se mistura com cada elemento.
Minha chaga permanece aberta
Pela mágoa que está desperta.
É o sofrimento à desfilada
Em cavalgadas de assustar.
É a aflição, por sanar,
O meu peito dilacerando,
A minha alma sitiando
E que a traz, acorrentada,
Num canto escuro, amordaçada.
Medo de mim, medonhos momentos,
Quando me afloram cruéis sentimentos
Que incendeiam, em mim, o vulcão,
Que destapam e exilam a razão
E ferem a ferida por sarar.
Subsisto na vácua imensidão,
Onde não respira o perdão,
Onde me arrisco a sufocar.
E quando se atiça a revolta,
Dou sempre meia volta,
Para a não poder escutar.
Assim não saro minhas feridas
Que, nem por mim, são lambidas,
Como um cão faz a um amigo.
Quisera voar para um abrigo,
Para uma outra constelação,
Onde tivesse sempre à mão,
Um bálsamo para o coração.
E escapar da letargia latente,
Para que não mais me atormente.
Procuro a paz, interiormente,
E invento, até, uma oração
Que nem eu sei pronunciar.
E rezo, com tal devoção,
Implorando pela poção
Para estas recentes feridas,
Traiçoeiras, torpes, temidas
E nem sequer entendidas.

Por: Joaquina Vieira

13/08/2011

AMOR INCONDICIONAL, UNIVERSAL

Alpes Franceses

Quando, sorte minha, a encontrei,
 Era pequenina, roliça.
 Aprendeu a andar a meu lado
 Enquanto eu trabalhava
 Em casa, paciente, por mim esperava.
 E os seus hábitos, quando eu chegava!
 Que forma de demonstrar seu amor.
 Lambia-me e seguia-me, ladrando.
 Comigo aprendeu algumas regras
 Que, com amor, lhe ensinava.
 A uma ordem, ela se sentava.
 Com os outros ladrava, sem parar.
 Assustava qualquer distraído.
 Ela guardava o nosso lar.
 Seu tamanho era insignificante
 Mas, perante um estranho,
 Ela provocava tal alarido.
 À medida que foi crescendo,
 Nossa vida tomava.
 Dormia e esperava.
 Era doce, meiga, amiga.
 A todos encantava.
 Ajudou a crescer quem a desejou.
 Com ela brincou e nunca a decepcionou.
 As duas criaram laços tais.
 A minha cadelinha fazia de modelo,
 No sofá sentada, direita, calada.
 Minha filha brincava com ela,
 Como se fossem irmãs.
 Punha-lhe ruídos, nos ouvidos,
 De música metálica, barulhenta.
 Aquele pequeno ser, chamado Lady,
 Nunca se queixou do tormento.
 Mas quando eu regressava a casa
 Ela mostrava-lhe os dentes,
 Como que a dizer: “ Basta,
 Ainda não estás contente?”
 Veio, depois, outro tempo.
 Tudo roía, a seu contento,
 Quando, sozinha, em casa.
 Sempre, em algo, se vingava.
 Fora isso, ela era paciente.
 Foi connosco, pela vida fora.
 Na nossa, foi um presente.
 Vinham as férias pela Europa.
 Fronteiras para atravessar.
 A Lady, a meus pés calada,
 Nunca se denunciou.
 Cada obstáculo passado,
 Ela subia para meu colo
 Onde se sentia mais confortável.
 Estava no seu mundo e sonhava.
 Até que veio a doença.
Um problema no coração
 Era um martírio dar-lhe a medicação.
 Viajava, connosco, todos os anos.
 Certo dia, subimos a uma montanha.
 Estava já velhinha e doente.
 Numa mochila lhe fizemos a cama.
 Às nossas costas, apreciava o ar frio.
 Quando resolvemos pô-la no chão
 Foi um verdadeiro espetáculo,
Vê-la caminhar sobre a neve
 Cada vez que dava um passo,
 Levantava a outra pata
 Difícil de entender, para ela,
 Aquele manto branco,
 Que seu caminho cobria.
 Voltando, de novo, à mochila,
 Apreciava o branco do chão.
 Só as orelhas e os olhos se viam.
 Mas não foi em vão.
 Naquele dia foi fotografada
 Por turistas que passavam.
 Imagem rara, uma cadela branca,
 Dentro de uma mochila, toda encolhida.
 Durante anos sempre nos fez companhia
 Até que se aproximou o epílogo.
 Tinha, pelo dono, um apego especial.
 Ele passara a ser a sua principal companhia
 Nos seus últimos anos de vida,
 Ele sacrificava o seu almoço
 E ia a casa, para estar com ela.
 Nos seus braços a deitava
 E, os dois, música clássica escutavam.
 Assim se ligavam aqueles dois seres.
 Ela teria aprendido a apreciar, em especial,
 A nona sinfonia de Beethoven,
 A Ave-maria de Schubert,
O coro dos escravos Hebreus, de Verdi.
Quando o seu fim se aproximava,
O seu dono ausentara-se, por pouco tempo.
Aguardou, cinco dias, pelo dono.
Com a sua ausência, deixou de se alimentar.
Ele regressou, à pressa, para a salvar.
Nesse dia, a minha cadelinha comeu, e comeu.
Olhou para o dono, agradecendo o seu regresso.
Viveu, a soro e ao colo, mais cinco dias.
Recordo o dia em que nos deixou.
Fomos, à beira-mar, dar o passeio que ela preferia. 
Ainda, nas ondas do mar, molhou as patinhas.
Ela que sempre adorou correr, ao longo das praias.
Já no regresso a casa, deitada na sua cama,
Feliz, pela família junta,
Mas em sofrimento e com emoção,
Deu um suspiro maior.
Seu coração parava.
Era o momento que ela esperava.
A família sempre unida,
Na hora da despedida
O dono, sua morte, não aceitou.
Durante quase dois dias,
No quarto da música, às escuras,
Com o seu corpo nos braços.
Os dois em profundo retiro.
Limitei-me a esperar
Que ele se despedisse.
Desse ser que ele tanto amava.
Viria a seguir, para ele, a mais dura prova.
Fazer, com suas mãos, uma cova
Para seu corpo sepultar.
Na Serra de Sintra, num lençol branco,
Com mensagens gravadas.
Nós os três unidos, chorando,
Ali a deixámos, em repouso.
E o regresso a casa, sem ela…
Foi um ser muito amado. E feliz.
E como nos fez felizes.
E como nos ensinou.
A amar, incondicionalmente.

A LADY partiu em 02/05/1999


POR: JOAQUINA VIEIRA


16/07/2011



Bretanha - França