A CONDESSA SEM CHETA

A CONDESSA SEM CHETA
MY BOOK

Saturday 24 March 2012

RIO DA ALMA - ESTRELAS ACENDO


Consente amor, consente!
É que por ti  tenciono esperar,
Esperar na noite mais escura
E no mais luminoso dos dias.
Consente que te ame!
Dentro dos meus silêncios,
Na calma da tua nobreza.
Tu que sempre me acolhes
Na terra dos sonhos meus,
Em fantasias sublimes,
Na mais plena das liberdades.
Consente que eu te ame!
Dentro da minha solidão
Ou para lá das margens
Desta minha confusão.
Consente que te ame!
Ainda que te isolem
Nos fios dos nossos destinos
Pródigos de percepção.
Enreda no tapete os fios
Que erguem os meus enigmas.
Consente que te ame,
Sem qualquer exposição.
E eu a ti me entrego
Na ternura das tuas mãos
Quando elas me aprazem
Descrevendo desejos
Em versos despidos
De todos os feitios.
Eles te cobrem,
Eles te intrigam.
Consente que te ame!
Dentro dos meus mistérios
Para que nunca os desveles.
O que eu desconheço!
A alma! Que abismos tem!
Onde ela envelhece!
E meus olhos entorpecem
Acalentados pelo mistério.
Consente que te ame!
Nas tuas longas demoras,
Dentro das longas horas
Em que meu corpo se veste,
Ansioso, vestido de réu.
E eu aqui, aqui à tua espera.
Minhas mãos em impaciência,
Aquecem e acendem estrelas
Para as tuas noites de insónia
E para te alumiarem a memória.
Mesmo que te ausentes demais
Estarás sempre comigo
Bem dentro dos meus vendavais.


AUTORA: JOAQUINA VIEIRA




OLHOS SE PRENDEM...



É nesta sala impessoal,
É a espera, neste aeroporto.
Espero uma debanda,
Para além da outra banda.
Espero sentada, olhada,
Nesta espera tangente,
No meio de outra gente.
É uma sala tão grande,
Imensa de gente sombria.
Mas entre os sisudos há alegres,
São crianças em correria.
Diariamente se vivem vidas,
No meio de tal ambiente.
Uns dormem e outros sentem.
Assim se amontoam vidas
Tão diferentes em destinos,
Embora se sintam iguais.
E juntos, como os pardais,
Fazem lembrar uma árvore,
Por vendavais fustigada.
Assim os corações se sentem,
Como dentro de alambiques,
Como fogo em aguardente.
Fervilham emoções!
Sinto, sem olhar distraído,
Para não pensarem comigo.
Cruzam-se vidas, por momentos,
Numa linguagem tangente,
Onde os olhos se prendem.
Gente descontraída da sorte,
Outra mais simples, sem Norte.
Todos eles esperam o seu destino.
Eu, sentada, escrevo a demora,
Como quem espera a aurora.
Onde o Sol aquece e se estende,
Ficam presos sentimentos,
Numa espera paciente
Onde se rangem os dentes
De quem é activo, depressivo.
Ao meu lado, alguém apressado,
Porque não tem paciência,
Para ver o tempo passar.
Estrangeiro desta rotina,
Apenas se quer equilibrar.
Mas isto não é para ele!
É esbanjamento rotineiro,
É só a vida a passar,
Sem a poder reclamar.
Dentro desta mesma sala,
Dentro deste mesmo ambiente,
Cabem os calados, contentes.
Menos as crianças
Que não entendem,
A espera cravada na gente.
É tempo de me pôr a caminho
Para um frio de rachar.
Espera-nos alguém muito querido
Que o luso fado, sofrido, levou.
Saudades de a voltar a abraçar.
Aqui olhando à minha volta,
Vejo gente que se nota.
São de vários continentes.
Assim, todos calados,
Esperam, embaraçados.
São pessoas diferentes,
Em costumes e linguagem.
Mas neste mundo global
Onde eu estou inserida,
Aqui sentada, medito.
Sem o ambiente a meu lado
Eu também estaria calada.
Não fosse ele apressado,
Ele, o tempo que não espera,
Mesmo pelo tempo de espera.
Vou então para outra esfera,
Onde meu espírito, em espera,
Se possa, por fim, aquietar.
Dentro deste espaço,
Dentro desta espera,
Já me sinto a sufocar.

Autora: Joaquina 
24-03-2012

NADA, É COISA QUE NÃO EXISTE


Sobes as escadas, correndo,
Marcando os sons, barulhento.
Sentada eu, imprudente,
Espero-te, olhar dormente.
Sinto a tua vibração, sempre.
Já não é de perfume
Mas de amor, ausente.
E resisto, na minha solidão,
Escutando a tua música.
Danço, enquanto estou sozinha.
Abro uma garrafa de vinho.
Degustarás o resto, o que ficará.
Na minha sala de estar,
Terás, sempre, teu mundo.
Numa fracção de segundo,
 Percorro o teu cosmos.
Conheço bem os teus sonhos
E também teus devaneios.
Sei-os, de cor,
Tal como os teus desejos.
Conheço o teu ponto fraco
E, também, as tuas virtudes.
Teu coração sempre se divide.
Sabes que eu não mudarei.
Os degraus que nos separam…
Porta fechada, para o mundo,
Que só tu poderás abrir.
Eu brindo, à tua chegada,
Mas brindo, também,
À minha vitória, sozinha.
Conforto-me, na madrugada
E levanto-me no novo dia.
Noites sem dormir, que importa.
Tortura-me a saudade
E ora me retraio, ora choro,
Momentos em que me vejo muda.
Deixei que a desilusão se instalasse,
E que o meu sonho me abandonasse.
Nada, é coisa que não existe.
Que esta porta não nos separe.
Nunca te irei implorar
Se, no escuro, me deixares.
Dentro duma névoa, envolta,
Sei que o amor não tem volta.
Se desceres essas escadas,
Irei trepar esses degraus.
E subirei essa montanha,
Dentro do meu temporal.
Faço-te a cama, de sonho,
No sonho do aconchego,
Com lençóis de rosa e seda.
Meus erros ficaram, lá fora,
Como os teus ficaram, também.
Se a solidão me bater à porta,
Sei que não estarei só.
Poderei, até, já estar morta!
E haverá maior castigo
Que deixar de estar presente?
Vou trocar a minha vida,
Que o presente é, apenas, o instante.
Vamos deixar tudo como dantes.
Vamos viver, lado a lado, amigos.
É que se vivesses sem mim,
Acharias o teu inóspito deserto,
Da mais espantosa imensidão.
Do tamanho do teu castigo
Que, supremo, não teria perdão

Autora : Joaquina Vieira
24-12-2012

ARCA DAS FILOSOFIAS


Não posso continuar calada!
Lá para os lados do outeiro,
Há gente sorrateira
Que me quer afrontar.
Qualquer janela, portada,
Dura mais do que eu.
Quem saberá quem fui eu?
Passei só, por aqui,
Aqui fui passageira.
Tudo experimentei.
Na fonte onde fui beber,
No ventre da minha mãe,
Onde me propus nascer.
Trazia, comigo, emendas,
Na casa onde outros nasciam.
Mas, no tempo já vencido,
Sentenças e recados espalhei.
Sobre tudo, eu quis dizer.
Embrenhei-me pelo mato,
Como bicho caricato,
Tudo tentando apreender,
Meu corpo, a experiências, oferecer.
E pus corações a baterem.
Alguns deles eram ladrões
E meus sonhos roubaram.
Que estou eu, aqui, a dizer
Se eu não existo, a viver,
Fora duma redoma almofadada.
Queria deixar, como testemunho,
Que a mente é um instrumento,
Para este mundo suportar.
Casas, terras, bens, matérias,
Que interessam aos demais,
Àqueles que não pensam,
Para além do seu umbigo.
Neste mundo tão diverso,
Tudo me parece ao inverso.
As arcas das filosofias,
Em segredo, assaltei.
Mas nada, de lá, retirei.
Deixarei o meu querer,
Numa campa, a descansar.
Que, nunca mais, ninguém,
Ouse, a mim, recordar.
Foram tantos os avisos!
Minha alma me gritava
Que o caminho não era por ali.
Mas fechei meu coração,
A tudo o que me rodeava.
Não, não procuro a sorte,
Nem digo que sim, à morte.
Não quero dinheiro!
Prefiro a roseira!
Poderiam, até, me crucificar
Mas já não há pena de morte.
Assim, continuarei na fonte,
Na fonte da vida,
A beber.

Autora: Joaquina
24-03-2012