A CONDESSA SEM CHETA

A CONDESSA SEM CHETA
MY BOOK

Wednesday, 23 November 2016

A MENINA









***
Oh campos que ainda cercais
Os muros da minha aldeia
Será que ainda recordais
Aquela menina buliçosa,
Perfeita como uma rosa,
Que rogava aos vendavais
Para que rasgassem a vil teia,
Tecida pelos iguais, demais,
Que lhe sitiavam o pensamento,
Que se via livre, como o vento?

Se nem sei quem me modelou,
Onde achar modelo que me assista?
Sou apenas a forma que em mim se instalou!
Só o Sol pode dizer o que veio fazer.
Porque brilha ele? Apenas por ser uma estrela?
Eu sou. Eu sou. Talvez um raio que alguém derrubou.
Se pudesse voltar atrás, brincaria na aldeia onde ficou meu lugar.
Ser-se criança é uma bênção.
É ter-se a esperança no sorriso,
É ter-se a espectativa no olhar.
Construí muros e atirei pedras na ribeira onde fiz minhas brincadeiras.
Andei de burro, em pelo, sem nada oferecer.
Comi fruta de quintais alheios.
O seu sabor a medo deu-me a noção de que estava a crescer.
Queria conhecer outros muros, outras aldeias.
Chorei, sempre revoltada, pelas dores da rotineira pancada.
A juventude tem a sua graça. Corri nela, muito, por poucas estradas.
Os caminhos de terra que palmilhei, descalça, deram-me a força da corça.
Os ranchos de raparigas, na monda, a cantarem ao desafio….
Ainda recordo as merendas e a pressa para abrir as prendas.
As saias pelo joelho eram para adultos se verem ao espelho!
Minha alma tudo me ensinou. Um dia, deixou-me.
Ainda sinto o sabor a uva molhada, quando roubada.
Construí castelos de pedras! Adulteraram-se, de escuras que elas eram.
As mães preocupadas com as suas ninhadas de seres por crescerem.
Eram sua tormenta, seu prazer, seu presente.
Ecoava a oração, cantada em coro, ao serão.
Os mais velhos cuspiam no chão e faziam, de tudo, um chavão.
Eram tempos eternos, de pura fantasia.
Até a própria ribeira sorria.
Era farta a brincadeira, junto à lareira.
O Céu era o que a doutrina ensinava!
Mas eu já sabia que tudo isso não era verdade.
Crenças e crendices sempre foram, para mim, uma engano.
Mas invocava-se o nome de santos para, entre blasfémias, se curarem enfermos.

Se tudo o que existe, no planeta persiste,
Quem criou a fala e o comando das coisas?
Na mocidade tudo são verdades, até chegarem as comadres.
Nessa altura eu já não contava com nada!
Minha boca calada, consentida, já se isolava.
As vezes que levei ao colo, parte da casa onde morava.
As saudades que tenho dos ribeiros e dos outeiros onde esquecia os dias.
Hoje tudo me parece irreal. Estão vagos os lugares das minhas batalhas.
Eterna será a criança, no rebanho em que Deus mandava.
Afinal de que me vale pensar, se sou apenas humana?
Já me perdi da criança que saltava e gritava, cheia de esperança.
Minha parte divina ainda chora e grita, aflita.
Não tenho, hoje, certezas. Que sou, para merecer ter certezas?
Esta é minha versão da visão que tenho das coisas.
Esta é uma forma de ser poetisa.
Algo sei, ainda que haja quem o não admita.
Eu sei que sou dona da minha escrita.
Meu olhar para o verso ou para a rima é de cristalina emoção.
Sou o som mais ínfimo, no nascer de uma flor.
Sou o que sou, seja lá isso o que for!
Tão pouco me interessa que falem comigo, à pressa.
Esta noção, que aquece o coração, só por mim é sentida.
Procuro, na solidão, outras mãos que se juntem às minhas.
Preciso, ainda, que me digam que eu sou qualquer coisa distinta.
Preciso saber, na minha existência do nada, que uma mão me afaga.
Os caminhos são como setas espetadas na madrugada,
Onde fica o saber do tudo e do nada.
Qual o enigma que me prende na minha saia de renda?
Nada há que valha a pena contradizer!
Serei a eterna criança que escreve e que dança
Neste mundo de ilusão onde componho uma canção de embalar.
Aponto o meu dedo na direcção errada!
Escuto o vento. Ao meu ouvido ele me fala, em segredo.
Tenho, como companhia, tudo. Dou-me bem com alguém.
Viver a dois é tarefa complicada, ainda que exista cumplicidade.
Pudera ser menina, para brincar com pedrinhas.
Faria uma casa sem porta, onde não entrasse a mentira.
Serei eu alguém que se entretém com palavras insanas?
Sinto que cada palavra é um universo paralelo onde me escondo!
Será por isso que me ausento, mesmo estando presente?
Conto histórias e memórias de coisas, de homens.
Tudo me parece fútil. Mesmo falando com Reis.
O pensamento foge de mim e me leva.
Faz de mim ave à deriva, no vento.

Sou a flor a nascer,
Sou a folha a florescer!
Sou a rotação do Sol,
Sou o tesouro escondido!
Sou alma perdida,
Sou os muros caiados!
Sou as casas abandonadas,
Sou o adormecer de ideias!
Sou a que se resguarda, na alma,
Sou a insónia da noite!
Sou a questão do sonho de Verão!
Sou aquela que se apeia no meio do caminho!
Sou a candeia que me ilumina!

Autora: Joaquina Vieira

29/10/2016

DEDICADO AO FILÓSOFO ANGOLANO " DELFIM JANUÁRIO CATUMBELA "
NO DIA EM QUE COMPLETA 16 ANOS.

ESTE POEMA TEM O Nº 624 E CONSTA DE UMA NOVA OBRA ( TERÁ COMO TÍTULO: "E*** DO I*********O " ) QUE COMECEI A ESCREVER EM SETEMBRO DE 2015.

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