A CONDESSA SEM CHETA

A CONDESSA SEM CHETA
MY BOOK

Tuesday, 8 April 2014

O RIO DA ALMA - MEU CAMINHO ( MEU BERÇO )




De quem me embalou,
Recebi tudo o que sou:
- Foi minha mãe quem contou.
De tudo me defendi
Porque usei e me servi
Do tanto que aprendi.
Foi nas crises que bebi,
Foi com elas que cresci.
A quem me quiser julgar
E antes de me afastar,
Leia a minha mensagem:
- Que calce os meus sapatos,
E siga as minhas pegadas;
- Que transponha os regatos,
Os que na senda encontrei;
- Que encare, com coragem,
Os desafios que enfrentei
E que encontre a passagem,
Por terras nunca pensadas,
Pelo matagal selvagem,
Nas ondas do mar inclemente,
Até achar continente;
- Que durma só, ao relento,
Ou faça a cama num convento,
Em clausura, descontente;
- Que faça o mesmo caminho
Que percorri, desde petiza;
- Que moa grão no moinho;
- Que aprenda a ser poetisa;
- Que prescinda do conforto
E procure um novo porto,
Começando tudo de novo;
- Que ouse acordar o povo;
- Que sinta o que eu senti
E que sofra o que eu sofri,
No corpo desconsolado,
Jovem e já maltratado,
Desde que fui mutilada,
Por fatal erro, desarmada.
Mas enterrei o sofrimento
Sem gemido, sem lamento,
Para que pudesse esconder
O quanto me custou sofrer.
Sem isso não tenha inveja
Nem, em mim, se reveja.
As vidas são vivências
Ricas em ensinamentos.
Não julgue pelas aparências
Para saber quem eu sou
E porque é assim que eu sou.
Sou uma sucessão de momentos,
Sou o que por mim passou.
Teria que saber entrar e ler
No mais profundo do meu ser.
Se desde o romper do instante
Ninguém é o que julga ser
Nem é o que julga não ser,
Não julgue o seu semelhante,
Pois nem a si sabe julgar.
Todas as pessoas a passarem
Têm uma história por contar.
Tantas delas a naufragarem.
Não sendo aquilo que desejo,
Sou apenas o que apreendo.
Não serei a que me vejo,
Nem o que de mim entendo.
Sou apenas um fragmento,
Um pedaço de sofrimento.
Sou parte de algo urgente,
Grande como o pensamento,
Maior que todo o tormento,
Vivo em minha memória.
Sou a imagem de gente,
Sou a ave migratória.
Serei, talvez, monumento,
Serei um pedaço da História.
Porque sou ar, porque sou vento,
Sou mistura de cada elemento.
Sou uma mulher sem ter tempo,
Serei a mulher noutro tempo.
Sou em tudo em que acredito
E em tudo em que não acredito.
Sou a escritora maldita,
Sou a essência da desdita,
Sou a ruptura da demora.
Sou o amor imperante,
Presente, incessante,
Que sente, que chora.
Agora que pensa saber
Aquilo que julga eu ser,
Talvez me possa admirar
Ou até me ignorar.
Mas se foi capaz de viver
Tudo o que eu vivi e passei,
Se soube amar e sofrer,
Se errou como eu errei
Sem nunca encontrar um fim,
Então poderá falar de mim.

Autora: Joaquina Vieira


01/04/2014