De quem me embalou,
Recebi tudo o que sou:
- Foi minha mãe quem
contou.
De tudo me defendi
Porque usei e me servi
Do tanto que aprendi.
Foi nas crises que bebi,
Foi com elas que cresci.
A quem me quiser julgar
E antes de me afastar,
Leia a minha mensagem:
- Que calce os meus
sapatos,
E siga as minhas
pegadas;
- Que transponha os
regatos,
Os que na senda encontrei;
- Que encare, com coragem,
Os desafios que
enfrentei
E que encontre a
passagem,
Por terras nunca
pensadas,
Pelo matagal selvagem,
Nas ondas do mar
inclemente,
Até achar continente;
- Que durma só, ao
relento,
Ou faça a cama num
convento,
Em clausura,
descontente;
- Que faça o mesmo caminho
Que percorri, desde
petiza;
- Que moa grão no moinho;
- Que aprenda a ser
poetisa;
- Que prescinda do
conforto
E procure um novo porto,
Começando tudo de novo;
- Que ouse acordar o povo;
- Que sinta o que eu
senti
E que sofra o que eu
sofri,
No corpo desconsolado,
Jovem e já maltratado,
Desde que fui mutilada,
Por fatal erro,
desarmada.
Mas enterrei o
sofrimento
Sem gemido, sem lamento,
Para que pudesse
esconder
O quanto me custou
sofrer.
Sem isso não tenha
inveja
Nem, em mim, se reveja.
As vidas são vivências
Ricas em ensinamentos.
Não julgue pelas
aparências
Para saber quem eu sou
E porque é assim que eu
sou.
Sou uma sucessão de
momentos,
Sou o que por mim passou.
Teria que saber entrar e
ler
No mais profundo do meu
ser.
Se desde o romper do
instante
Ninguém é o que julga
ser
Nem é o que julga não
ser,
Não julgue o seu
semelhante,
Pois nem a si sabe
julgar.
Todas as pessoas a
passarem
Têm uma história por
contar.
Tantas delas a
naufragarem.
Não sendo aquilo que
desejo,
Sou apenas o que
apreendo.
Não serei a que me vejo,
Nem o que de mim entendo.
Sou apenas um fragmento,
Um pedaço de sofrimento.
Sou parte de algo
urgente,
Grande como o
pensamento,
Maior que todo o
tormento,
Vivo em minha memória.
Sou a imagem de gente,
Sou a ave migratória.
Serei, talvez,
monumento,
Serei um pedaço da
História.
Porque sou ar, porque
sou vento,
Sou mistura de cada
elemento.
Sou uma mulher sem ter
tempo,
Serei a mulher noutro
tempo.
Sou em tudo em que
acredito
E em tudo em que não
acredito.
Sou a escritora maldita,
Sou a essência da
desdita,
Sou a ruptura da demora.
Sou o amor imperante,
Presente, incessante,
Que sente, que chora.
Agora que pensa saber
Aquilo que julga eu ser,
Talvez me possa admirar
Ou até me ignorar.
Mas se foi capaz de
viver
Tudo o que eu vivi e
passei,
Se soube amar e sofrer,
Se errou como eu errei
Sem nunca encontrar um
fim,
Então poderá falar de
mim.
Autora: Joaquina Vieira