A CONDESSA SEM CHETA

A CONDESSA SEM CHETA
MY BOOK

Tuesday, 3 May 2016

RIO DA ALMA - ALMA ENCANTADA



Oh estrelas do meu pensar! Porque ainda estais ausentes? Vinde, agora, amparar-me.
Oh meu céu, meu lugar, minha vida, meu presente. Vem, neste urgente momento, encontrar-me.
Amaldiçoado seja este tempo, enlodaçado neste meio mercantil, que desordena as minhas muralhas. Já que ele nada promete, nada me trás e nada me diz, já de pouco me servirá, até, mentir.
Onde irei acabar se me faltar a lucidez que me marcou, ao nascer?
Emoções enfastiadas pela chuva miudinha abalroaram-me neste desconfortável, desalumiado, dia.
Já entrei em cercados frustrados de vidas pequeninas. Escapei-me, perturbada, e recolhi-me, sozinha, em pináculos tão altos que só as nuvens passageiras me puderam esconder e purificar.
A alma, encantada, caminhou, devagarinho, descalça, a meu lado. Ela é o meu único carinho.
As rendas da minha saia são feitas de pergaminhos.
Já fui atriz, já fui rainha.
Já ensaiei em palcos ornamentados de panos sem cor.
Já decorei monólogos destinados a amores.
Perdi-me em cenários e em ruas por onde passei.
Hoje sou manto de monarca.
Já fui tanta coisa que já nem sei quem sou.
Já fiz e desfiz tantos projetos que, hoje, até me assusta saber que me podem vir a atormentar sonhos enrolados em lençóis de fracasso.
Serei, talvez, a louca que não tem propósito de se sanear, porque não tem tesouro para guardar.
Minhas juras enfeitadas, meu começo largado!
Sou o verso inventado para quem o não quis declamar e nem, ao menos, o quis escutar.
Já não tenho tempo para ser tudo o que quis ser e não fui.
Já ruíram, o tempo e tanta coisa que me propus ser.
Minha boca encravada e minha essência feita enseada são, agora, desafiadas.
O Sol, esse ainda me vai aquecendo neste Inverno sem Verão.
Mas só eu conheço o meu dom.
Esgoto-me aqui, a pensar, neste meu lugar. Serei eu a enganada? E se forem os outros?
Desafio as orlas e os gumes das espadas afiadas. Que lutem comigo, se forem capazes.
O tempo inteiro, o berço, são meu estreito, a fruta lavada sabendo a alvorada.
Quero, fascinada, vir a ser embalada por palavras que cantem a serenidade da maresia.
Entrarei em todas as portas, até meus pés ficarem tortos.
Saudades do que li, e também do que não vi, como afluentes de rio que abraça o mar.
Superei as águas turvas, das margens transbordantes, em mentes ambulantes.
Como conseguir fecundizar o brilho, intenso, que me enche a alma?
Que me acanha, de forma tamanha, com palavras por inventar?
Sinto, em tudo que digo, que já perdi.
Que o confirmem os outros, os que me divisam,
Esses que me observam e me escoltam.
Os que ousam pensar que me podem julgar,
Eles que não têm pena nem penar.
Que venham os deuses, a lista, sobrecarregar.
Que meus olhos cansados possam, ainda, disfarçar…
Que minhas mãos já alheadas possam, ainda, trabalhar.
Que minha mente, inocente, ainda me possa achar.
Que de todos os meus medos me possa desembaraçar.
Que eu prossiga, segura, a escrever estes meus pensares.
Aqui me visto e dispo, sem entraves.
Sou aquela que veio para se revelar.
Tenho pena de tudo o que não alcanço.
Lamento-me, por todas as conversas que ficaram por acabar.
Tenho pena dos olhos que me olham, sem me poderem abraçar.
Lamento tantas coisas que já não posso contar, porque as nem sei recordar.
Nunca alguém espere ver-me agir ou ser como os demais, normais.
Serei apenas eu, apenas comigo, no meu mundo louco.
Mas quero ainda viver, para poder contar, para poder escrever.
Para poder dormir ao luar, na companhia da Lua, contemplando a Via Láctea e imaginando o que não me é permitido descortinar.
Olhem, para mim! O meu dizer não tem fim!
Os meus quereres dormem, ainda esperançados, no fundo do meu ser.
Pode acontecer que alguém me possa ler e achar que fui uma tonta, por tanto querer.
Em tantos sonhos a navegar, quiçá acabe por naufragar e venha a ser, um dia, apenas mais uma onda do mar. Ou, apenas, um pouco de espuma que à praia virá dar e que a brisa fresca dispersará pelas dunas, indiferentes.
Mas sei que, tal como a névoa, eu irei desaparecer, para dar lugar a um outro ser.
Terei, então, saudades de mim e de todo o meu fim.

Autora: Joaquina Vieira

15/03/2016




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Este texto é dedicado a Beethoven. A sua sinfonia nº 9 é a mais prodigiosa obra do génio humano (sei de Leonardo da Vinci, de Einstein, de Rafael, de Bach e de tantos outros que engrandecem a nossa espécie). É composta por 4 movimentos. Nos 2 primeiros, algumas das mais poderosas civilizações perdidas no espaço infinito, entrando até em conflito, inspiraram Beethoven. Foi então que, apaziguador, foi a vez de Deus impor a sua serenidade, inspirando o 3º andamento. Depois, todas, mas mesmo todas as inteligências que vivem no Universo uniram esforços e inspiraram Beethoven a compor o último andamento. Nele está incluída a Ode à Alegria, um poema de Schiller que Beethoven musicou de uma forma que jamais será ultrapassada. Este último andamento termina com uma libertação de energia tal, que não encontro palavras para a exprimir. Talvez só comparável ao “ BIG BANG”. É uma pena que esta sinfonia não seja dada a conhecer às crianças, quando entram na escola. Teriam, por certo, uma existência mais feliz. Saberiam, pelo simples facto de a conhecerem, que a sua vinda a este mundo teria valido a pena. Essa sinfonia poderia ser a sua tábua de salvação em momentos dramáticos que ocorrem em todas as vidas. A maioria das pessoas vive e morre sem ter sabido da sua existência. Quantos suicídios se teriam evitado se tanta gente desesperada soubesse do espantoso poder da maior de todas as artes, a música. Ela eleva-nos e cura as nossas feridas. ATÉ AO PRINCIPIO DO SÉCULO XX ( até Mahler ), antes de se terem inventado tantas distracções totalmente alienantes, foi a música que acompanhou e incentivou as gerações que nos antecederam. Foram compostas milhares de obras absolutamente sublimes que, nos dias de hoje, são quase desconhecidas. 
Beethoven só viveu 57 anos. Padecia de vários problemas de saúde e por incrível que possa parecer, já estava totalmente surdo quando compôs a sua sinfonia nº 9. Ainda pensou desistir. Mas não o fez porque queria deixar uma obra que tornasse mais felizes as gerações vindouras. É isso que consta do testamento de Heilingenstadt:

Ó homens que me tendes em conta de rancoroso, insociável e misantropo, como vos enganais.Não conheceis as secretas razões que me forçam a parecer deste modo. Meu coração e meu ânimo sentiam-se desde a infância inclinados para o terno sentimento de carinho e sempre estive disposto a realizar generosas ações; porém considerai que, de seis anos a esta parte, vivo sujeito a triste enfermidade, agravada pela ignorância dos médicos. Iludido constantemente, na esperança de uma melhora, fui forçado a enfrentar a realidade da rebeldia desse mal, cuja cura, se não for de todo impossível, durará talvez anos! Nascido com um temperamento vivo e ardente, sensível mesmo às diversões da sociedade, vi-me obrigado a isolar-me numa vida solitária. Por vezes, quis colocar-me acima de tudo, mas fui então duramente repelido, ao renovar a triste experiência da minha surdez!
Como confessar esse defeito de um sentido que devia ser, em mim, mais perfeito que nos outros, de um sentido que, em tempos atrás, foi tão perfeito como poucos homens dedicados à mesma arte possuíam! Não me era contudo possível dizer aos homens: “Falai mais alto, gritai, pois eu estou surdo”. Perdoai-me se me vedes afastar-me de vós! Minha desgraça é duplamente penosa, pois além do mais faz com que eu seja mal julgado. Para mim, já não há encanto na reunião dos homens, nem nas palestras elevadas, nem nos desabafos íntimos. Só a mais estrita necessidade me arrasta à sociedade. Devo viver como um exilado. Se me acerco de um grupo, sinto-me preso de uma pungente angústia, pelo receio que descubram meu triste estado. E assim vivi este meio ano em que passei no campo. Mas que humilhação quando ao meu lado alguém percebia o som longínquo de uma flauta e eu nada ouvia! Ou escutava o canto de um pastor e eu nada escutava!
Esses incidentes levaram-me quase ao desespero e pouco faltou para que, por minhas próprias mãos, eu pusesse fim à minha existência. Só a arte me amparou! Pareceu-me impossível deixar o mundo antes de haver produzido tudo o que eu sentia me haver sido confiado, e assim prolonguei esta vida infeliz. Paciência é só o que aspiro até que as parcas inclementes cortem o fio de minha triste vida. Melhorarei, talvez, e talvez não! Mas terei coragem. Na minha idade, já obrigado a filosofar, não é fácil, e mais penoso ainda se torna para o artista. Meu Deus, sobre mim deita o Teu olhar! Ó homens! Se vos cair isto um dia debaixo dos olhos, vereis que me julgaste mal! O infeliz consola-se quando encontra uma desgraça igual à sua. Tudo fiz para merecer um lugar entre os artistas e entre os homens de bem.
Peço-vos, meus irmãos assim que eu fechar os olhos, se o professor Schmidt ainda for vivo, fazer-lhe em meu nome o pedido de descrever a minha moléstia e juntai a isto que aqui escrevo para que o mundo, depois de minha morte, se reconcilie comigo. Declaro-vos ambos herdeiros de minha pequena fortuna. Reparti-a honestamente e ajudai-vos um ao outro. O que contra mim fizestes, há muito, bem sabeis, já vos perdoei. A ti, Karl, agradeço as provas que me deste ultimamente. Meu desejo é que seja a tua vida menos dura que a minha. Recomendai a vossos filhos a virtude. Só ela poderá dar a felicidade, não o dinheiro, digo-vos por experiência própria. Só a virtude me levantou de minha miséria. Só a ela e à minha arte devo não ter terminado em suicídio os meus pobres dias. Adeus e conservai-me vossa amizade.
Minha gratidão a todos os meus amigos. Sentir-me-ei feliz debaixo da terra se ainda vos puder valer. Recebo com felicidade a morte. Se ela vier antes que realize tudo o que me concede minha capacidade artística, apesar do meu destino, virá cedo demais e eu a desejaria mais tarde. Entretanto, sentir-me-ei contente pois ela me libertará de um tormento sem fim. Venha quando quiser, e eu corajosamente a enfrentarei.
Adeus e não vos esqueçais inteiramente de mim na eternidade. Bem o mereço de vós, pois muitas vezes, em vida, preocupei-me convosco, procurando dar-vos a felicidade.
Sede felizes!
Heiligenstadt, 6 de outubro de 1802.
Ludwig van Beethoven.
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Letra, em Alemão, da Ode à Alegria:
O Freunde, nicht diese Töne!
Sondern laßt uns angenehmere
anstimmen und freudenvollere.
Freude! Freude!
Freude, schöner Götterfunken
Tochter aus Elysium,
Wir betreten feuertrunken,
Himmlische, dein Heiligtum!
Deine Zauber binden wieder
Was die Mode streng geteilt;
Alle Menschen werden Brüder,
Wo dein sanfter Flügel weilt.
Wem der große Wurf gelungen,
Eines Freundes Freund zu sein;
Wer ein holdes Weib errungen,
Mische seinen Jubel ein!
Ja, wer auch nur eine Seele
Sein nennt auf dem Erdenrund!
Und wer's nie gekonnt, der stehle
Weinend sich aus diesem Bund!
Freude trinken alle Wesen
An den Brüsten der Natur;
Alle Guten, alle Bösen
Folgen ihrer Rosenspur.
Küsse gab sie uns und Reben,
Einen Freund, geprüft im Tod;
Wollust ward dem Wurm gegeben,
Und der Cherub steht vor Gott.
Tenor e coro
Froh, wie seine Sonnen fliegen
Durch des Himmels prächt'gen Plan,
Laufet, Brüder, eure Bahn,
Freudig, wie ein Held zum Siegen.
Seid umschlungen, Millionen!
Diesen Kuß der ganzen Welt!
Brüder, über'm Sternenzelt
Muß ein lieber Vater wohnen.
Ihr stürzt nieder, Millionen?
Ahnest du den Schöpfer, Welt?
Such' ihn über'm Sternenzelt!
Über Sternen muß er wohnen.
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Letra, em Português, numa tradução mais literal:

Ó, amigos, não nesse tom!
Em vez disso, cantemos algo mais delicioso
cantar e sons alegres
Alegre! Alegre!
Alegria, formosa centelha divina,
Filha do Elíseo,
Ébrios de fogo entramos
Em teu santuário celeste!
Tua magia volta a unir
O que o costume rigorosamente dividiu.
Todos os homens se irmanam
Ali onde teu doce voo se detém.
Quem já conseguiu o maior tesouro
De ser o amigo de um amigo;
Quem já conquistou uma mulher amável
Rejubile-se connosco!
Sim, mesmo que ele chama de uma alma
Sua própria alma em todo o mundo!
Mas aquele que falhou nisso
Que  chore, sozinho!
Alegria bebem todos os seres
No seio da Natureza;
Todos os bons, todos os maus,
Seguem seu rastro de rosas.
Ela nos deu beijos e vinho e
Um amigo leal até a morte;
Deu força para a vida aos mais humildes
E ao querubim que se ergue diante de Deus!
Tenor e coro
Alegremente, como seus sóis voem
Através do esplêndido espaço celeste
Expresse-se, irmãos, em vossos caminhos,
Alegremente como o herói diante da vitória.
Abracem-se milhões!
Enviem este beijo para todo o mundo!
Irmãos, além do céu estrelado
Mora um Pai Amado.
Milhões, vocês estão ajoelhados diante Dele?
Mundo, percebes o teu Criador?
Procura-o mais acima do Céu estrelado!
Sobre as estrelas onde Ele mora!

Letra da " Ode à Alegria " e testamento  de Heilingenstadt retirados de Wikilpédia.org

AS MELHORES INTERPRETAÇÕES EM FORMATO CD:
- Gravação de 1963 - Maestro Herbert von Karajan ( 1908-1989 ), com o soprano  Gundula Janowitz ( a sua voz inunda a alma de quem a escuta );
- Gravação de 1959 - Maestro Ferenc Fricsay ( 1914-1963 )
Se escutar qualquer uma destas gravações recorde que as vozes que está a escutar e que os instrumentos que as acompanham pertencem, na sua esmagadora maioria, a pessoas que já não fazem parte do mundo dos vivos. 
São uma benção que vem do outro lado da vida.