Vesti cedo,
Desmedida, a sorte,
Contra o medo,
Contra a morte,
Na escotilha do Norte.
Permiti que guiassem
Meus passos temerários,
Por tentadores mares,
Em majestosas naus,
Onde o sonho se sentava.
Era o sonho, uma miragem,
A vestir a coragem.
Vagueei, entre as ondas,
Embalada por amores,
Entre continentes de dores,
Ainda por encontrar.
Tudo carregava na equipagem
E, em pleno sonho, adormecia.
Entre passageiros ansiosos,
Do tempo, perdidos,
Mas como eu, esperançosos.
No tempo dos tesouros,
Juntaram-se os anseios
E também os devaneios.
A viagem, por inteiro,
Contida num tinteiro.
Ela era pioneira
Depositada, primeiro,
Na folha da bananeira.
Escrevia eu a história
E a gravava na memória,
Aquela que, algum dia,
Alguém cantaria.
A viagem ao desconhecido.
Apesar das vagas gigantes
E dos ventos galopantes
Que abanaram a pobre nau,
Ela resistiu aos elementos.
Para contar os seus tormentos.
Mas os mais descontentes
Caíram, fracos, doentes,
E acabaram por morrer.
Também ao mar fui lançada,
Como mala desarrumada.
Mas veio a sorte acorrer.
Porque um audaz marinheiro
Salvou a donzela da morte.
Veio a ser sua consorte.
E em sítios de além-mar viria,
Outra vida, a encontrar.
Ficou, em terra, a seara,
O campo por semear,
A alma por encontrar.
Deixei o medo da morte
Na costa do desnorteio,
Onde a nau tomou o freio.
Por ali ficaria, esquecido,
Abandonado à sua sorte.
Restou o meu livro, adormecido,
No baú das lamentações.
Dos momentos em que amei,
Das lágrimas que chorei,
Dos caminhos que trilhei,
Só sobraram as emoções.
Autora: Joaquina Vieira
27/03/2014