Seremos apenas imaginação?
Porque nos deram sombra,
Para que nos plantaram?
Será só para sermos chorados
Quando formos velados,
Já mortos os nossos pecados?
Ou para sofrermos com o tempo,
Sabendo que somos ponteiros
Dum relógio que desconhecemos?
O preço da eternidade.
É isso. É desvairarmos no mistério,
Desbravando o desconhecido
Que será o caminho vencido,
Fazendo-o frutuoso e sabido,
Antes de jazermos em cemitério.
Chorar é como derramar
A água retida nos rios,
De onde transbordam os mortos
Depostos em nossos braços.
Saudosas as despedidas,
Em mãos que estão por colher.
Tudo o que nos é emprestado,
Num instante, nos é retirado.
Dão-nos mãos aprontadas:
- Para trabalharmos a terra;
- Para fazermos a guerra;
- Para pormos termo à vida.
Dão-nos uma mente temperada:
- Para sairmos da Terra;
- Para fazermos a paz;
- Para prolongarmos a vida.
Nisto consistirá a existência?
Nisto consistirá a existência?
Num mundo dos mundos,
No mundo dos túmulos,
No mundo dos túmulos,
No mistério das trevas,
Teremos que esquecer, um dia,
O cintilante firmamento.
É isso. Acender estrelas.
A vida de cada um de nós
É uma estrada, às escuras,
Que teremos que iluminar
Com estrelas que são ideias,
Com inventos feitos candeias.
Com contributos e achamentos,
Iluminemo-nos, sem demora,
Iluminemo-nos, sem demora,
No febril acontecer, na hora
Que é cada novo alvorecer.
Porque na noite das noites,
Na rainha de todas noites,
Teremos que adormecer.
Que poderemos então fazer,
Que poderemos então fazer,
Largado o altar e o terço?
Escrever um verso de esperança,
Para ser cantado sobre o berço
Que embala a doce criança.
O que será, então, viver?
Não é, disso estou certa,
Apesar da certeza instalada,
Propagandeada e aproveitada,
De ser ócio, vício e diversão,
De se ser anónima na multidão.
Viver é estar acordada e desperta
Enquanto o abutre ressona?
Ou será enfrentá-lo no momento,
Na hora do seu festim,
Fazendo com que deserte
E não acrescente deserto,
Ao deserto já plantado?
Será a vida uma prece
Será a vida uma prece
Para a vida que se tece,
Com corpos e corações,
Com corpos e corações,
Cumprir as suas missões?
Somos breves, mas um dado,
Deste espaço de sensações,
Complexo e ilimitado,
Que para nós foi inventado.
Somos como os peixes,
Largados ao acaso
Num oceano de feitos.
O milagre escapa
O milagre escapa
No Hino da Alegria,
Até que a humanidade entoe
Uma ode à poesia.
De que vale o carrasco e a forca
Se todos acabamos mortos?
De que vale estar aqui a escrever
Se os cegos não me irão ler?
Ainda que aprovisionados,
Teremos que nos render
À noite de todas as noites.
Na vida de um só dia
Quase tudo se perde,
Mas muito se cria e recria.
Mas, na noite da nossa morte,
Mas, na noite da nossa morte,
Nada haverá de mais forte:
- Perderemos o Sul e o Norte.
Mas se marcarmos as bermas
Da nossa estrada, a vida,
Com marcas de humildade,
Pedaços de eternidade,
Só assim compreenderemos
Que não será só para morrermos
Que fizeram com que nascêssemos.
Será para, no entrementes,
Semearmos as nossas sementes,
Aprimorando a criação.
Autora: Joaquina Vieira
Escrever, apenas para ser roubada, não é do meu interesse. Por isso, vou continuar a escrever para a gaveta. Talvez, um dia, alguém entenda o que eu faço. Não é possível superar os interesses e os malandros instalados.
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