O Sol realçava as minhas pegadas, gravadas de fresco,
no areal deserto, ancestral, neutro. O beijo solar apressava-se, prazenteiro,
adivinhando as ondas do mar.
Meus passos divagavam como o luar. Sucediam-se,
compassados, ausentados do presente, presentes no passado.
Eram meus pés os mestres que faziam ceder a areia
húmida e bucólica.
Meu corpo era a signa que por ali passava, invadindo
as acolhedoras vagas.
Meu enlevo era total neste dia de Natal. A pura
alegria que não arrefecia, mesmo sabendo dos povos que, em comunhão,
arrastavam a ocasião, em vão.
Recordei meus tempos intranquilos em encruzilhadas
desafinadas, em dias gelados.
Toquei violino ao som dum copo de vinho. Fui, por um
dia, todos os fantasmas.
Arrastei as teias das minhas ideias e, com elas, fiz
cancelas. Prendi-me a todas elas.
Corri mundo num só segundo.
Segui pegadas que outros não viam.
Meu pensamento vibrava como brisa dançando no vento.
Elevado no meu tempo.
Neste dia, um dia com clarões de ensejo como os que
brindam os demais dias, continuam a jorrar fontes, ainda que já tenham mirrado
as nascentes. Corações persistem e resistem à dor, libertando-a em lágrimas que
irão alimentar outras fontes.
Sentada no mais alto de mim, na noite deste dia em que
não conto mais estrelas do que na noite de qualquer outro dia, alcancei que
teria um fim. Não estremeci, não me lamentei. Não chorei nem me entristeci.
Refletindo, senti-me ufana de tudo o que já construí e
inventei. Meu mundo não se resumia a tudo o que naquele momento se apresentava.
Já havia sido enriquecido com as percorridas estradas da imaginação e já se
tinha libertado da desolação, descansando em enseadas de absolvição.
Era o meu Natal diverso, porque contemplado à beira
mar. Outras almas, ali, também haviam procurado refúgio. Não me importei em
conhecer se festejavam ou se, simplesmente, meditavam.
Tudo o que deste dia restou, reparti-o com as conchas
e gaivotas, com os búzios e estrelas-do-mar. Guardei-o nos meus passos, nos
meus segredos.
Das ideias de hoje, daquelas que, de mim trasbordaram,
retive aquela de pendurar a idade, num calendário invertido.
Já tive, pelo pavor, sonhos molhados. Por me
arrepender do que fiz ou do que ainda não fiz. Por não saber pesar se, com o
tempo que me foi concedido e com a mente com que fui dotada, poderia ter ido
mais além dos quatro cantos da noite, das fronteiras do dia.
Apaziguo-me, então, ao reconhecer que, ainda hoje, não
sou mais do que uma aprendiza.
Memórias feitas de fios, tecelagem, organização deste
chão que eu piso.
Deixei meu reflexo, na flor boiando, na espuma do meu
abandono.
Procurei todos os cheiros, no toque das mãos alheias.
Minha face, que se pressentia fechada e, com
correntes, atada, por hoje, eu a soltei.
Passavam rentes, embelezadas, pernadas cortadas à
escravidão da tradição. Junto ao mar, marchavam, libertadas.
Tudo o que é feio, hoje foi rosa, bela, que volveu
sardinheira renascida.
Dei corpo às cinzas embutidas em rostos empedernidos.
Convoquei a esperança que, abrupta, se tornou lança
dentro do meu olhar.
Hoje é dia de rosas nas mesas da fome, nas sombras da
hipocrisia.
Hoje é dia de amor, de lampejos de dor, de fome de
desejo de beijos.
Abandonei, na areia, a alma exposta, o corpo ainda
vivo. Aguardavam por respostas.
No chão molhado, esperavam que, o Sol, não os
abandonassem.
Queriam, apenas, confiar que alguém os regasse de amor
e de saudade.
Hoje tenho os sonhos abertos.
Procuro o desejo num olhar distraído.
Hoje sou a esquecida, numa qualquer mesa perdida.
Hoje sou a camélia que se conforma com a rega de um
sorriso.
Num outro dia, igual ao de hoje, a este mar, eu ainda
irei voltar. Então, rirei de mim.
Autora: Joaquina Vieira
25/12/2015
Este texto é publicado por ser época de Natal e Ano Novo. Fará parte, um dia, estou certa, de uma obra para a qual já escolhi o título. Já escrevi, igualmente, os textos necessários para um primeiro volume que permanecerá na minha gaveta, tal como os cerca de dois mil textos de prosa poética que comecei a escrever há já alguns anos.
Os meus possíveis leitores ainda não chegaram à Terra. Neste momento, não me atrevo a defrontar as redes sociais que absorvem o tempo de toda a gente, desde o nascimento até à morte. Não se pensa porque não se lê. Há quem pense por todos aqueles, quase todos os seres viventes, que se deixaram enredar pelas teias do virtual. Julgam-se acompanhados mas nunca estiveram tão sós. Um dia, se tiverem tempo, vão interrogar-se: " O QUE FIZ DA MINHA VIDA ? "
Tantos leitores que o deixaram de ser porque foram enganados pela publicidade enganosa que é feita a alguns livros sem qualquer qualidade. Há gente, na televisão, que ganha muito dinheiro só por anunciar um qualquer amontoado de páginas. Há ainda quem consiga vender uns quantos exemplares pelo simples facto de escolher um título apalhaçado.